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(Antonio Maria, Frevo no. 2)
Eu sou pernambuoca. Recife é minha cidade. O Rio de Janeiro é minha cidade. Mas o meu Recife, o meu, o do meu coração, para onde anseio voltar, não existe mais: é o de dez, quinze anos atrás.
Recife é uma cidade dividida pelo rio Capibaribe, com um pé em cada margem: metade tradicional, orgulhosa das origens, metade achando que o Capibaribe é Tâmisa, que a ilha é Manhattan. Se não amasse tanto minha terra, meu sotaque que já perco, diria que é uma terra meio esquizofrênica.
Um conhecido tinha uma banda de rock que só cantava
O provincialismo da minha cidade só é visto de longe. O que está na cara é a decadência do centro da cidade, os ônibus nos corredores exclusivos, os casarões aos pedaços, os pedaços das livrarias, das escolas que viraram shoppings, dos cinemas que viraram igrejas evangélicas. O seu machismo inerente, o velho ditado que diz que pernambucano só conhece duas datas: quando nasce e quando se muda para São Paulo.
A oficina de Brennand, que eleva nosso olhar, tira nosso fôlego, enche nossa mente de deuses, deusas, ovos, mundos, a criação do mundo em fogo e sexo.
Rio Capibaribe, que corta a cidade de Recife Crédito: klickeducacao.com.br |
A pracinha do Poço da Panela, quase nada, quase cidade do interior.
O povo generoso, criativo, desenrolado. As tradições que seguem nos DNAs das famílias: "minha filha, quando a gente tem visita em casa, o melhor é para ela; a visita dorme na cama, a gente dorme no chão". O acolhimento. O sol do meio dia no caminho feito e refeito, tão mudado, eu, tão mudada também.
Ao mesmo tempo em que a gente vai comer tapioca, pegar o barco para ver as esculturas no marco zero, ver as esculturas do Circuito da Poesia e tirar fotos com Antonio Maria, Clarice Lispector, Luiz Gonzaga, tem o pólo de informática que mais cresce no Brasil, tem restaurante chique, tem torres gêmeas na beira do rio e gerações que comem sarapatel e arrotam bagel.
O trânsito que é infernal, a violência que aumenta, o crack destruindo vidas, as mocinhas de família saindo nas colunas sociais, os casamentos cheios de pompa e circunstância nas igrejas centenárias, a miséria do lado do luxo: a ponte que une o Recife ao Rio, tão diferente daquela que eu queria que existisse para poder visitar minha mãe, pedir a bênção, ganhar um cafuné e voltar para casa, pro marido e pros gatos aqui na Tijuca.
Tapioca de queijo e coco Crédito: streetsmartbrazil.com |
Quanto tempo mais voltarei lá procurando os fantasmas de quem eu amei? Não tem mais Livro 7, tem Livraria Cultura, que é linda, imensa, caríssima e não é acolhedora como a velha loja do Tarcísio. O Croissant Dourado, perto de minha casa, fechou tem mais de dez anos e ninguém mais lembra que existiu. Você vai no Pina, e, em vez da Soparia de Roger, criadouro dos caranguejos do manguebit, tem a Pin´Up, lanchonete anos 50.
O maltado do Recife Antigo fechou. Quem tomou o leite com sorvete e malte, que vinha do tempo dos zepelins, tomou, quem não tomou não chora porque tem frozen yogurt no shopping.
A cidade que eu amo é como aquela moça da música de Chico Buarque: quem não a conhece não pode mais ver prá crer, quem jamais esquece não pode reconhecer.