Por Dade Amorim
valter hugo mãe. a máquina de fazer espanhóis. São Paulo: Cosac Naify, 2011. 256pp.
Escrever em caixa baixa é uma característica de valter hugo mãe. Mas acredito que o sucesso de seus romances tenha menos a ver com esse fato do que com a afetividade que seus textos transpiram. Uma coisa pode, no entanto, estar ligada à outra. Não por acaso, em 2007 o grande Saramago atribuiu à leitura de sua obra a importância de “assistir um novo parto da língua portuguesa”.
a máquina de fazer espanhóis é um livro sobre a terceira idade. O autor dedica o romance ao pai, que morreu moço, vítima de um câncer que ele próprio previra durante parte de sua vida. E o que atinge o leitor de modo decisivo, me parece, é a extrema correção de uma escrita impregnada do que nos acostumamos a chamar de calor humano. Essa qualidade um tanto misteriosa atrai e enternece o leitor, que se sente como que incluído entre os personagens da história. E se esse leitor for o que se conhece como “um manteiga derretida”, provavelmente irá verter algumas lágrimas nas passagens mais sensíveis. E convenhamos que, num livro sobre esse tema, facilmente se encontram passagens desse tipo.
Narrada na primeira pessoa, a história relata como um viúvo recente, de 84 anos, é internado pela filha num asilo de velhos. Ali, sua vida começa sob a revolta contra a decisão da família. Mas logo passa a fluir entre amizades e antipatias, o medo do quarto andar, para onde vão os idosos terminais, e alguns bons momentos de convívio e humor, focados no grupo de internos do feliz idade. Escrito com muito rigor e formalismo, talvez o romance se tornasse um monumento à tristeza e ao pessimismo funéreo que o próprio tema sugere. Mas das mãos de valter hugo mãe dificilmente sairia um texto assim, ainda que a situação em si seja naturalmente dramática. Ele nos põe em contato com pessoas tão reais, embora fictícias, que fica fácil viver com elas. São seres humanos, e se comportam como tais, a despeito da idade que possam ter; vivem cada momento, riem juntos, se querem bem, praticam pequenas travessuras e até um namoro acontece no decorrer da história. Há conflitos e desentendimentos, como em qualquer outro lugar e tempo. E há a figura da morte, como em todo convívio, e o modo característico como cada membro do asilo encara esse acontecimento que todos sabem não muito distante.
Em suma, um livro que, mesmo à beira de um abismo, não se consegue parar de ler. Um livro sobre a aventura humana, que se repete em qualquer tempo e lugar, não importa que lugar seja esse e para que tenha sido criado.