domingo, 7 de agosto de 2011

SENHORA DO TEMPO - OREMUS!

Por Vera Guimarães

Uma amiga estava angustiada por ver o sofrimento de uma neta, coisas de criança, mas sofrimento. E se lamentou: "Hoje a gente já não pode apelar para religião, porque isso nem faz parte da vida deles. Antigamente, não. Sempre se podia aconselhar que a pessoa rezasse, que pedisse ajuda a Nossa Senhora! Isso era um consolo." E arrematou: "Será que a gente pode falar no Anjo da Guarda?" Eu disse que achava o Anjo da Guarda muito simpático. Levamos tudo na brincadeira e rimos bastante.

Um quadro com imagem bem semelhante a esta acompanhou toda minha infância. E eu sempre me perguntei por que aquelas crianças teriam ficado sozinhas nesse lugar perigoso. E, caso me visse nessa situação, se seria protegida. Melhor não arriscar. Mas sou obrigada a reconhecer que por vezes me expus a perigos, e que um Anjo da Guarda deve ter tido trabalho.


Aliás, a propósito, na minha família os versos originais da oração ao Anjo da Guarda (“Santo Anjo do Senhor,/ meu zeloso guardador,/ Se a ti me confiou/ a piedade divina/ sempre me rege, guarda, governa e ilumina. Amém”) foram modificados pelas crianças.
Uma delas rezava assim: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me CONFIOR (...)”, numa precoce demonstração de rigor na rima.
Outro dizia: “Santo Anjo do Senhor, meu ZÉ LÚCIO guardador (...)”. Zé Lúcio era um moço que tinha motocicleta, um ídolo do piedoso infante.
A outra invocava: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se A TIA me confiou (...)”. Muito justo, a tia cuidava e protegia mesmo.

Fui criada na religião católica. Criança na década 1940, acompanhei os pais à missa, frequentei catecismo, fiz Primeira Comunhão, fui crismada. Todos na minha casa seguiam os preceitos da Igreja, e duas irmãs, profundamente religiosas, iam além, participando ativamente da vida das paróquias por onde passamos. Já minha mãe cumpria com as obrigações, mas sem muito rigor, e tinha enorme devoção a São Geraldo, cujo Santuário em Curvelo MG visitava sempre que podia.

A imagem que a gente formava da religião tinha muito a ver com castigo e recompensa, e as pessoas eram, muitas vezes, movidas pelo medo ou pelo interesse. Do medo não escapei. Mas nunca fomos de fazer promessas de nos privarmos de algo em troca de algum desejo atendido.

Ao longo da vida fui ficando desprovida de fé e me distanciei da igreja. No entanto, da mesma forma como minha amiga, aquela lá do início, sinto falta de invocações consoladoras. Por exemplo, quando meus filhos eram mais jovens e saíam para as baladas, nada que eu lhes dissesse teria a força de um “Vai com Deus, meu filho!”, que eu já não sabia dizer.

Hoje, não encontro sentido nas orações tradicionais, que me parecem automáticas. Prefiro a Oração do Amanhecer, de São Francisco de Assis, o São Chiquinho da Telinha, ele uma personalidade encantadora, e a oração, uma profissão de fé em práticas éticas e altruístas.


Como não tenho a quem dirigir a invocação, esta seria minha versão: 

“No silêncio deste dia que amanhece, anseio por paz, sabedoria e força”./ Quero hoje olhar o mundo com os olhos cheios de amor./Quero ser paciente, compreensiva, mansa e prudente./Quero ver meus semelhantes além das aparências e, deste modo, não ver senão o bem em cada um deles./Que meus ouvidos se fechem a toda calúnia./ Que minha língua evite toda maldade./Que só de bênçãos se encha meu espírito./ Que eu seja leve e compassiva, de tal forma que isso contagie a todos que se aproximem de mim./ Que no decurso deste dia eu possa revelar a todos o que seja bondade.”

Missão impossível, mas... Oremus!