quarta-feira, 10 de agosto de 2011

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DESCOBRINDO O QUE SEMPRE ESTEVE DEBAIXO DOS MEUS OLHOS

Por Vera Guimarães

Mereço puxões de orelha por somente agora ter ido à Semana Roseana, que há 23 anos se realiza em Cordisburgo, MG semana roseana .
Vivi até meus 18 anos em Sete Lagoas, e Cordisburgo, tão perto, fez parte da minha infância e juventude. Fiz Letras. Fui apresentada a Guimarães Rosa. Consegui vencer a estranheza e me apaixonei por sua escrita forte e original. Já embrenhei pelo Grande Sertão: Veredas pelas portas das guerras, do amor de Riobaldo e Diadorim, das mulheres, da vegetação, da geografia. Eu sabia que minhas irmãs iam lá. Uma sobrinha-neta era miguilim. Não tenho desculpas por não ter ido antes.
Cordisburgo é uma cidade pequena e agradável .


Capela São José – Cordisburgo, MG http://www.receptivo.net.br/admin/img_paginas/49.jpg.target=blank

Passeei por suas ruas largas, espiei por dentro de jardins, imaginando se vidas felizes habitariam aquelas casas, fui à Matriz, subi de novo a escadaria que levava da estação ferroviária ao Hotel Argentina, hoje uma discoteca, comi empadinhas de massa fina, me maravilhei com a capelinha de São José, visitei o Portal do Sertão, fui ao Zoológico de Pedra. E acompanhei um pouco da programação da Semana Roseana. Tem oficina de produção de textos, mostra de artesanato, shows na rua, lançamento de livros, palestras, cursos variados, mas o ponto alto são as narrações de textos de Guimarães Rosa.
Há alguns anos tive notícia de que uma prima, a Dôra Guimarães, e uma parceira, a Elisa Almeida, entraram para o ramo da “contação de histórias”, é, assim mesmo, eu não tinha ideia da sofisticação da atividade e do que fosse ouvir uma obra literária narrada por elas. Pelo site tudo era uma vez, entendo agora o que fazem: “A narração oral remonta às origens da sociedade como uma das primeiras manifestações culturais do homem. Antes da linguagem escrita, foi ela a responsável pela preservação das tradições de um povo, ao mesmo tempo em que veiculava toda uma forma de percepção de mundo onde o elemento maravilhoso tinha seu lugar.
Correspondendo à faculdade básica humana de trocar experiências, a narração oral pôde encontrar maior ou menor espaço ao longo dos séculos da história humana.
O velho hábito – até então espontâneo – de contar histórias foi perdendo seu vigor no decorrer da era industrial e da era informatizada, dando, aos poucos, lugar à informação.
A partir do final do século passado, surge a preocupação de resgatar essa arte milenar reconduzindo textos escritos – populares ou propriamente literários – ao universo da narração oral. Para tanto, foi preciso agora atentar para alguns pontos (as técnicas) que auxiliam o treinamento das histórias a serem contadas.
Enquanto arte, o contar histórias mantém-se fiel ao seu primeiro e maior compromisso com a beleza, o prazer e a diversão, mas pode e deve estar a serviço de um incontável número de realidades onde se busque despertar o interesse e o gosto pela leitura, divulgar textos de tradição oral ou autorais (literários), introduzir temas a serem tratados numa aula teórica, entre outros.”

Num Festival de Inverno em Diamantina, há uns quatro anos, me encontrei com a Dôra, mas ainda não foi dessa vez que a ouvi. Foi preciso estar do outro lado do mundo, num passeio por rios e lagos da Rússia, para aprender definitivamente a diferença entre ler e ouvir um conto, uma história, um trecho de um livro.
“...Mantendo na narração a fidelidade ao texto, o grupo preserva o que diferencia a literatura: o trabalho com a palavra e a elaboração artística libertando-o através da voz, expressão e gestos do narrador. Ao buscar resgatar a voz do autor, o narrador oral dá vida ao texto tornando ainda mais evidente sua musicalidade, ritmo e poesia.”
Nesse passeio, a Dôra generosamente narrou para nós um conto do livro Afrodite, de Isabel Allende, e outros trechos de obras de Guimarães Rosa. Eu já conhecia alguns desses textos, mas era como se me fossem totalmente desconhecidos, tal a transformação por que passam na voz e na presença da narradora.
Soube também que as duas criaram e coordenam o Grupo Miguilim. “Formado por adolescentes de 13 a 20 anos, o grupo nasceu da necessidade de tornar mais atraentes as visitas ao Museu Casa Guimarães Rosa, chamando a atenção não apenas para a casa com seus objetos, fotos, móveis ou para a vendinha restaurada, mas, sobretudo, para a obra do escritor através da narração oral de suas estórias.”

Museu Casa Guimarães Rosa – Cordisburgo, MG fabianomafia.spaceblog.com.br/.../

“Os contadores de estórias MIGUILIM, verdadeiros embaixadores de Guimarães Rosa, além de guias do Museu, contam de cor sua obra também em escolas, universidades, teatros, casas de cultura, levando Brasil a fora o sertão roseano e divulgando sua literatura.”
E ali, em Cordisburgo, acompanhando um pouco da programação da Semana, me maravilhei, me emocionei, me diverti, chorei, ouvindo crianças e adultos transformarem palavras em pura magia.
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“O contador de histórias moderno, ao optar por contar um conto literário, instaura um espaço novo. Ele traz para o universo da oralidade um conto que, pelo menos a princípio, foi escrito para ser lido. Nem todos os contos literários prestam-se a essa tarefa e, dentre os que se prestam, alguns o fazem mais naturalmente.
Guimarães Rosa, de maneira singular e magistral, materializa a tradição oral em seus textos tão elaborados. Narrativas surgem dentro de outras narrativas - seus personagens estão sempre prontos a contar histórias, oferecendo a nós, contadores, uma infinidade de opções. Contar Guimarães Rosa torna-se assim, para nós, uma experiência única. Se por um lado, os contos apresentam uma certa dificuldade para serem preparados, por outro, ao serem contados em voz alta descortinam para o ouvinte e para o próprio contador toda a poesia neles contida. E, como nos lembra Franklin de Oliveira, Rosa acreditava profundamente “no poder da Arte para transformar o indivíduo” desejando que “a poesia fosse incorporada à vida humana e não vivesse apenas no papel; que a vida, ela mesma, se transformasse num poema contínuo, numa realidade encantatória”.
Acreditando também nisso, emprestamos nossa voz, olhar e gestos para compartilhar com mais pessoas a beleza surpreendente de um conto rosiano e, quem sabe, desvelar significados antes encobertos.”
Já agendei minha ida a Cordisburgo para o ano que vem. Vamos?
Nota: Os trechos entre aspas e destacados foram retirados do site tudo era uma vez.