domingo, 14 de agosto de 2011

SENHORA DO TEMPO , NARRAÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS

                                               

                                                                (minha experiência)

Por Dôra Guimarães


                                                     Dôra Guimarães e Elisa Almeida(google)

                                                     Dôra Guimarães e Elisa Almeida (google)


Nasci em Curvelo, em 1943. Aos 19 anos, vim para BH fazer o curso de Letras. Durante quase 30 anos lecionei em escolas públicas de Minas e São Paulo. Perto de me aposentar, descobri a narração de histórias e a possibilidade de me ocupar com algo prazeroso depois que me afastasse do magistério.

Quando estudante de ensino médio, gostava de recolher dos livros que lia os textos mais líricos, as expressões mais poéticas e depois ficar repetindo-as oralmente para mim mesma saboreando sua magia, seu encanto. Gostava daquele contato oral com a palavra elaborada.

Não sabia que, anos mais tarde, reencontraria essa minha vocação através da Oficina Conta-Contos – a arte de contar histórias, realizada em 1990 na Livraria Miguilim e coordenada por Luiz Carlos Neves e Isabel de los Rios, do Grupo Encuentos y Encantos, da Venezuela. Durante a oficina já busquei um conto literário para preparar. Agora poderia saborear um conto inteiro e mais, passar o encantamento para outras pessoas.

Na época, lecionava Português para 7ª e 8ª séries e comecei preparar vários contos para meus alunos. Para surpresa minha, percebi que os adolescentes adoravam as histórias e pediam que eu as repetisse. Descobri então que essa era uma maneira fantástica de divulgar bons textos e incentivar o gosto pela leitura, pois os meus alunos buscavam ler os livros de onde eu tirava as histórias. Preparei alguns adolescentes que se interessaram, para narrarem pequenos contos e eles os iam repassando aos colegas de outras turmas. Me surpreendi com a receptividade dessas turmas, que , muitas vezes ,quando não tinham professor em sala, passavam para a sala vizinha, para ouvir de novo as mesmas histórias. Com essa motivação dos alunos, concluí que a narração de bons textos literários era, sem dúvida, um método pedagógico que, não só tornava as aulas mais atraentes, mas também despertava o gosto de ouvir, o prazer da literatura e o interesse pela leitura.

Em 1991 conheci Elisa Almeida, que, na época, pesquisava contos de fadas e os narrava para crianças numa Clínica de Psicologia. Decidimos trabalhar juntas, criando o Grupo Tudo Era uma Vez e pouco tempo depois já narrávamos histórias em vários lugares e oferecíamos oficinas para formação de novos narradores. Ela continuava narrando contos de tradição oral e eu, contos literários. Com o tempo, ela também foi se aproximando do conto literário e em 1994, montamos nosso primeiro espetáculo: “Histórias de Amor, Encontros e Desencontros”. Depois vieram outros trabalhos: “Riobaldiadorim, encontros no sertão”, “ Mula Marmela: histórias de mulheres em G. Rosa”, “ Rola Mundo ,contando Drummond”, “ Diadorim, no sirgo fio dessas recordações”, “Deus ou o Diabo para o jagunço Riobaldo” e “Dão- lalalão, os sinos do amor”.Todos eles apresentados em vários teatros do país.

                                                                 Calina Guimarães(google)

Em 1993, a Dra. Calina Guimarães, prima de G. Rosa, e minha tia, depois de se aposentar em Juiz de Fora, onde trabalhou como Médica e professora da UFMG, voltou para Cordisburgo, sua terra natal, disposta a trabalhar com as crianças e jovens da cidade. Lá encontrou o Museu G. Rosa praticamente abandonado. Começou então a tarefa de buscar recursos para restaurá-lo. Em seguida, pensou que preparar os jovens para serem guias no Museu seria uma ótima forma para se aproximar deles e orientá-los na travessia da adolescência. Assim ela realizava, num só trabalho, dois objetivos: trabalhar com os jovens e por em funcionamento o Museu. Até então ela não tinha pensado em preparar esses jovens para narrar textos de G. Rosa. Quando ficou sabendo que eu narrava trechos de sua obra, ela se mostrou incrédula. Foi então que a convidei para assistir, em 1994, nosso espetáculo “ Histórias de Amor” com narração de textos de vários autores e, entre eles, G. Rosa. Nos ouvindo, então, concluiu que era possível, sim, narrar oralmente G. Rosa e que, para tornar as visitas ao Museu mais vivas, além de guias, os adolescentes também poderiam ser narradores de sua obra. Ela então, nos convidou para dar oficinas introdutórias para formar contadores e, depois de cada oficina, ela continuava o trabalho, treinando os textos de Guimarães Rosa com os adolescentes. Em 1995, ela criava o Grupo de contadores de estórias Miguilim, nome da principal personagem do conto “Campo Geral”.

Hoje, já na 7ª geração, o grupo torna viva a obra do escritor, divulgando-a não só para os visitantes do Museu, mas também para platéias de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades, encantando jovens e adultos e revelando que Guimarães Rosa é, antes de tudo, um grande contador de histórias.
Narrar textos de Guimarães Rosa abriu, para o grupo Miguilim, uma janela para o mundo. O contato com turistas e pessoas admiradoras ou estudiosas da obra roseana, as viagens, o desafio de enfrentar um público, tudo isso enriquece as experiências, aumenta a auto-estima e estimula o gosto pela leitura. Eles buscam ler outros autores e se tornam capazes de apreciar um bom texto literário e de lê-lo com expressividade e emoção. Hoje, são referência para as crianças de Cordisburgo e a maioria consegue continuar os estudos após o 2º grau, ingressando em cursos da UFMG.

                                            interior do Museu Casa de Guimarães Rosa (google)

Em 2000 assumi a direção do , pois a Dra. Calina Guimarães, por motivos de saúde, se afastou. Passei a fazer os recortes de textos, o enxugamento dos contos, a leitura expressiva e a orientação na memorização das histórias. Cada texto é explicado, contextualizado e lido várias vezes. O contador só pode decorá-lo depois de compreendê-lo profundamente e de estar lendo com fluência, expressividade e sentimento. Ele tem de buscar a voz do autor, tem de descobrir a musicalidade inerente ao texto, pois cada um possui sua entonação e ritmo próprios. O texto exige ser decorado porque em Guimarães Rosa, como em qualquer outro grande autor, a forma e o conteúdo estão juntos como na poesia.

Para a Semana Guimarães Rosa que acontece todos os anos, no mês de julho, em Cordisburgo, já foram montados com o grupo Miguilim vários trabalhos em cima da obra do autor: textos de “Grande Sertão: Veredas” (narrados em quatro anos consecutivos), de “Campo Geral”, de “Sagarana”, de “Dão-la-la-lão”, de “A estória de Lélio e Lina” , “Festa de Manuelzão”, “Primeiras Estórias” e outros. Muitos desses trabalhos têm sido apresentados em várias cidades de Minas e outros estados.

Graças ao Grupo Miguilim de contadores de estórias, o Museu Casa Guimarães Rosa é hoje um dos mais visitados de Minas Gerais. Os visitantes querem ouvir, na casa onde nasceu o escritor, suas histórias e sua poesia nas vozes desses meninos e meninas que memorizam seus textos e os narram com simplicidade e emoção.

Em 2005, em razão da necessidade de formar novos elementos, pois, à medida que vão se formando no 2º.grau, eles deixam a cidade para continuarem os estudos, convidei Elisa para participar do processo de formação. Atualmente, nós duas, indo de 15 em 15 dias a Cordisburgo, dirigimos o grupo Miguilim, certas de que trabalhar com jovens no campo da literatura é realmente uma forma de atingir, entre outros, o objetivo proposto pela Dra. Calina Guimarães ao criar o grupo: ajudá-los a atravessar a adolescência de uma maneira saudável e feliz.