Carlos Frederico Abreu
No trajeto do trem bala (shinkansen) entre Beppu e Kokura (conexão para Okayama) ocorreu um fato extraordinário, para quem espera a pontualidade tão famosa deste serviço: Ficamos parados em uma estação gerando um atraso de doze minutos.
O motivo da paralisação seria esclarecido logo depois do trem voltar a se mover: ao passarmos por meia dúzia de carros de polícia e ambulâncias dos bombeiros, estacionados à margem dos trilhos.
É triste, mas trata-se de uma tragédia comum na rotina dos japoneses.
No fatídico ranking mundial de suicídios, o país ocupa a segunda colocação, atrás da Rússia, e apesar das autoridades enxergarem o problema e criarem programas de apoio, etc, as estatísticas a cada ano comprovam que este número continua crescendo. Artistas da música, da televisão, ex-astros do esporte não são exceções… basta acompanhar os noticiários.
Este triste fato já está inserido profundamente no cotidiano, de tal forma que qualquer pessoa possui parentes, amigos de escola ou trabalho, que saltaram de prédios ou coisa semelhante.
Próximo ao monte Fuji existe um bosque de mata fechada chamado Aokigahara Jukai (mar de árvores) que é conhecido pela macabra fama de ser preferido por aqueles que escolhem deixar a vida por vontade própria. Recentemente a polícia japonesa encontrou próximo à entrada do bosque, mochilas e tênis, assim como outros pertences pessoais. Segundo os investigadores, pertenciam a jovens que, pela internet, haviam combinado se encontrar alí, buscando apoio para se suicidarem. Entraram na floresta (com remédios, calmantes, etc) e nunca mais sairam de lá.
Devido a mata fechada e selvagem, numa área de difícil acesso, fica quase impossível para as autoridades realizarem buscas, levando assim a outro recorde trágico. Aokigahara Jukai é hoje o local no mundo com o maior número de suicídios localizados, deixando para trás a famosa ponte Golden Gate (EUA).
Para um turista comum, fica difícil entender o motivo de um povo tão amistoso e respeitador, capaz de coisas tão belas, vivendo em uma sociedade organizada e avançada, ser capaz de atos tão desesperados.
Já para alguém que estuda o Japão, não é tão difícil assim compreender o que se passa. Esta, ao menos, é a minha compreensão dos fatos:
O Japão se encontra em um momento muito delicado de sua história. Os mesmos valores que o tornaram um dos países mais ricos do planeta, são os responsáveis por afundá-lo no buraco em que se encontra, sem perspectiva de solução a curto prazo. Uma sociedade com códigos de conduta tão rígidos, ao ponto de não permitir ao ser humano manifestar livremente sua fraqueza, seus temores, sua insatisfação, acaba servindo como uma camisa de força invisível. Isso gera uma série de problemas seríssimos, com conseqüências sociais visíveis que vão muito além dos suicídios.
O Japão possui o maior número de pervertidos do mundo. É verdade, não li em parte alguma isso, é uma observação minha. Perversões que foram espertamente assimiladas pela indústria, que fatura descaradamente com essas ‘válvulas de escape’. Ou você acha que meninas vestidas de empregadinha francesa gótica, distribuindo panfletos na rua ou servindo café é algo simplesmente bonitinho, fofo ? Existe algo mais pervertido que o ‘kawai’? É perversão explícita e aceita por todos.
O último censo no Japão reportou mais de 200 mil hikikomoris, quase o dobro do censo anterior. Hikikomoris são pessoas (normalmente jovens de 17 a 30 anos) que se isolam da sociedade, vivendo reclusos na casa dos pais. Eles não estudam e nem trabalham por não se adaptarem às exigências e cobranças da sociedade.
Outra característica dos japoneses, que somente agrava a situação, é que geralmente preferem fingir não ver o que está acontecendo a enfrentar a desonra de expor publicamente um filho problemático.
Os hikikomoris, por sua vez, agravam o quadro deficitário da previdência social, desequilibrando o orçamento ainda mais, pois não trabalham e, portanto, não contribuem para a aposentadoria.
Para tentar tampar o buraco e manter a máquina funcionando, o governo admite cada vez mais a entrada de estrangeiros, uma força de trabalho que realiza as tarefas mais braçais e monótonas. Os imigrantes, por sua vez, não encontram um quadro receptivo ideal e se isolam em seus guetos, não contribuindo para preservação da cultura - pelo contrário, introduzindo a sua própria à força.
A grande estocada final talvez seja o fim do casamento tradicional, um dos pilares da cultura japonesa. Os jovens simplesmente não querem mais se casar, apesar de todo o glamour que é vendido e toda a indústria que vende o casamento ocidental católico (de véu e grinalda) como um sonho possível - se você tiver 3 milhões de ienes para pagar por um. Ao invés do casamento, a carreira. Ao invés de filhos, animais de estimação.
E a média de idade subindo… o número de nascimentos vai caindo… a estimativa é que o percentual de pessoas com idade para trabalhar em trinta anos estará na casa dos 30%!!!
Precisa falar mais? Da proximidade da China, por exemplo?
Como eu disse, trata-se de uma situação delicadíssima, difícil de se reverter ou buscar uma solução para o buraco que só cresce sob os pés.