sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A CRUZADA DOS MENINOS

Por Lilian Zaremba




                                                        Gustave Dore -crusades


Algumas histórias... podem ser assombrosas...

“...nós três, Nicola – que não sabe falar – Alain e Denis, saímos pelas estradas rumo a Jerusalém.

Foram vozes brancas que nos chamaram a noite... chamaram todas as criancinhas...

Em toda parte encontramos densas florestas e rios, e montanhas e espinhos... Mas em toda parte, as vozes estão conosco...”

Algumas histórias...não podem ser desvendadas...

Teria existido um grupo de crianças, vindas de toda a Alemanha e França, reunidas em torno de um jovem profeta que prometeu leva-las até Jerusalém. Deus abriria o mar mediterrâneo – garantiu o jovem profeta – para que os meninos passassem. Mas na verdade, essas crianças teriam sido raptadas e vendidas no mercado como escravos.

Esta lenda atravessou séculos, alimentada na literatura popular da Idade Média e chegando ao século 20 quando historiadores como George Duby e Phillipe Ariés apresentaram nova explicação, um esclarecimento...

A história teria nascido do uso repetido nos relatos da época, da palavra “pueri”, que em latim clássico significa criança, embora “pueri” também indicasse na Idade Média, pessoas em estado de servidão ou miséria. Talvez essas pessoas , camponeses marginalizados, é que seriam os tais cruzados, embora já não fossem crianças...

Livros História da Vida Privada de Duby e Ariés


Algumas histórias não conseguem narrativa única...

Jorge Luis Borges, não acreditava nessa explicação, e comentou... historiadores perplexos em vão tentaram explicações racionais...do tipo social, do tipo econômico, do tipo étnico...mas o fato é que durante estes séculos medievais, a paixão por resgatar o santo sepulcro dominou as nações do Ocidente”

Algo que teria acontecido na Europa do século 13...

Partiam da França e Alemanha duas excursões de meninos, que acreditavam juntos atravessar os mares protegidos pelas palavras do Evangelho...

Em alguns livros do Indostão, na Índia – lembrou Jorge Luis Borges - encontramos a afirmação de que o universo ...não é outra coisa que um sonho da divindade imóvel que existe em cada homem...

Por isso não surpreende que no final do século 19, Marcel Schowb apareça como o criador, ator e espectador deste sonho das cruzadas dos meninos.

Não é lenda, não é mito, não é história... então, quem sabe trata-se de voltar a sonhar o que vem sendo sonhado há vários séculos?...


Marcel Schowb: sua vida imaginada

Em 1867 nasceu Marcel, filho de Isaac Georges Schowb, um proprietário de jornais, amigo de Flaubert. Seu tio León era diretor da célebre Biblioteca Mazarine, em Paris.

Estudou na École Pratique de Hautes Etudes , formando-se em letras, na Sorbonne. Foi escritor e jornalista produtivo.

Lia Jules Verne e Schopenhauer com o mesmo ardor com que estudava Saussurre, traduzia Robert Louis Stevenson e adorava a obra de François Villon.

Cultivava prodigioso conhecimento de tudo, era um erudito.

Mas como disse Borges, a biografia de um grande escritor é sua própria obra, até porque Marcel Schowb não inventa: re-escreve, re-interpreta. Como fez em seu livro “A cruzada dos Meninos”.

Publicado em 1896 este livro, destaca Marcelo de Moraes, “em vez de reduzir os acontecimentos de uma vida à uma unidade geral, acumula fatos estranhos, narrando cenas de vidas imaginadas”.

o imaginário e o real... como escutar cada um deles?

Eu, pobre goliardo, clérigo miserável...errante pelos bosques, mendigando pelos caminhos, vi um espetáculo piedoso e escutei as palavras dos meninos... Sei que minha vida não é muito santa...Não sei de onde vinham, eram pequenos peregrinos...em verdade vos digo: tenho muitos sonhos agora....

Marcel Shwob evoca este episódio em seu livro A Cruzada dos Meninos, em linguagem poética porque acreditava que ... a arte só existe no particular...

A edição espanhola do livro A Cruzada dos Meninos, lançado em 1949, teve prólogo escrito por Jorge Luis Borges. Em língua portuguesa já existem algumas traduções, uma delas realizada por Milton Hatoum.

Schowb se inspirou em relatos, documentos, textos medievais e outros mais ou menos antigos para construir sua narrativa.

Em sua obra, o real e o imaginário convivem, recusando o naturalismo do século 19 que, segundo dizia havia :...banido a imaginação da literatura, reduzindo esta arte a uma estéril enumeração de detalhes.

...Aqui, o mar devorador, parece inocente e azul...

O céu é líquido e estão vivos seus astros...

Medito sobre ele, desde este trono de rochas...em suas orelhas se inclinaram sussurrando todas as faces santas...

...grande ungido misterioso que não possui nem fluxo nem refluxo, canção sedutora de azul, envolta no anel celeste como uma jóia fluida, te interrogo com meus olhos...

História real, mito ou lenda? não importa a resposta... mais vale a leitura do livro A Cruzada dos Meninos, escrito por Marcel Schowb.

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sugestão de escuta :

Libera, coro de vozes infantis.


Coral dos meninos de Viena. Missa na capela do Palacio dos Habsburgos, Viena - Austria.


Cantatas de Bach com o coral de meninos de Viena,

e Concentus Musicus de Viena sob regência de Nikolaus Harnoncourt.



No rádio: MEC-FM 98.9 mhz ou online em www.radiomec.com.br, programa Rádio Mirabilis, quarta-feira, dia 17/agosto, meia noite e meia.